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domingo, 24 de fevereiro de 2013

João 1:1-3



João 1

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.     Ele estava no princípio com Deus.     Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e sem ele nada do que foi feito se fez.

O texto começa dizendo que No princípio era o Verbo. Primeiro devemos identificar quem é esse "Verbo"

João deu testemunho dele, e clamou, dizendo: Este é aquele de quem eu disse: O que vem depois de mim, passou adiante de mim; porque antes de mim ele já existia.   Pois todos nós recebemos da sua plenitude, e graça sobre graça.    Porque a lei foi dada por meio de Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo.     Ninguém jamais viu a Deus. O Deus unigênito, que está no seio do Pai, esse o deu a conhecer.   (João 1:15-18)

João 1:15 ao falar "testemunho dele", o ultimo nome citado, foi o "Verbo" em João 1:14, indicando que o Verbo era Jesus Cristo.
O texto de João 1:15-18  elucida a compreensão de João 1:6-8.
Houve um homem enviado de Deus, cujo nome era João.   Este veio como testemunha, a fim de dar testemunho da luz, para que todos cressem por meio dele.     Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz.   

Perceba que João 1:6-8,João testifica da Luz, enquanto que em João 1:15 ele testifica de Jesus Cristo(João 1:16). A luz é o próprio Verbo como vemos nas passagens a seguir:

 Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens;  (Jo 1:4) 

O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e as nossas mãos apalparam, a respeito do Verbo da vida  (1Jo 1:1)

Isso por si só já indicaria que o Verbo é Jesus Cristo, mas perceba uma outra passagem mais clara ainda:

E vi o céu aberto, e eis um cavalo branco; e o que estava montado nele chama-se Fiel e Verdadeiro; e julga a peleja com justiça.     Os seus olhos eram como chama de fogo; sobre a sua cabeça havia muitos diademas; e tinha um nome escrito, que ninguém sabia sabia senão ele mesmo.     Estava vestido de um manto salpicado de sangue; e o nome pelo qual se chama é o Verbo de Deus.   (Apocalipse 19:11-13)

A passagem claramente se refere a Jesus Cristo. Contudo, o mais intrigante é que o nome que ninguem conhece, o que indica peculiaridade e uma identificação pessoal única(Ap 2:17) de Jesus, é Verbo de Deus. Impossível obter qualquer outra exegese. O nome de identificação pessoal do Filho é VerboJesus Cristo é o Verbo de João 1:1.

Agora,entendamos o porquê do Filho ser chamado de Logos.

logos, traduzido em algumas versões como "Verbo", "Palavra", "Razão" e "Sabedoria", vem sendo alvo de intensos e intermináveis debates, então é exigido um tratamento sobre o termo em uma forma profunda.

No pensamento filosófico grego, Heráclito de Éfeso, filósofo, que formulou a famosa  frase:

Não se pode percorrer duas vezes o mesmo rio e não se pode tocar duas vezes uma substância mortal no mesmo estado; por causa da impetuosidade e da velocidade da mutação, esta se dispersa e se recolhe, vem e vai.

Heráclito percebeu que se tudo muda, nada existiria, pois em um momento ela é uma coisa,e em outra hora, outra. Assim, teria que ter um princípio imutável no qual pudesse ser entendido tudo. Veja as considerações de Vincent Cheung:

Mas se tudo muda constantemente, então nada realmente “existe”. Imagine que um escultor trabalhe uma peça de barro numa aparência de um cachorro, mas antes de você dizer o seu nome ou até mesmo descidir o que está em sua mente, o objeto muda num carro, então num edifício, e então num pote. De fato,a aparência do objeto muda constantemente de forma que nunca há uma coisa definida e reconhecível em qualquer ponto do tempo.Se isso é verdade, então você ainda pode pelo menos chamá-lo de barro;contudo, e se a substância do barro mudar   constantemente? O barro muda em bronze, então em ferro, então em gelo, e então em ouro.” (1)

Depois, os estóicos se apropriaram dessa idéia e a desenvolveram. No estoicismo, o logos foi considerado como o princípio da razão divina,o controlador do universo e por ser o germe  de onde tudo se desenvolve, o chamado Logos Seminal ( logoi spermatikos), como as sementes e fagulhas divinas. Posteriormente, os filósofos neo-platônicos adotaram a ideia. Confira no Catholic  Encyclopedia :

O Logos não é entendido como necessidade imanente ou natural,mas como o agente intermediário pelo o qual o Deus transcendental governa o mundo.(2)

Filo, filósofo judeu helenístico, adotou a essa concepção de Logos. A Jewish Encyclopedia  relata:

 Da teologia alexandrina, Philo pegou emprestado a ideia de sabedoria como o mediador,ele  assim  um pouco confusa sua doutrina do Logos. (3)

Gordon Clark, teólogo e filósofo, afirmou que Logos segundo Filo era “nada mais do que a faculdade de razão de Deus”(4). Para Filo, era a ponte entre Deus e a sua criação. Deus agia na criação através do seu Logos.

No Antigo Testamento, o conceito de “Palavra de Deus” ocorre em varias passagens no Antigo Testamento (Gn 1:3; Dt 32:46-47; Sl 19:8; 33:6; 119:105,130; Os 1:1). Algumas vezes ela aparece personificada (Jó 28:12; Is 55:11; Pv  8:22-31; Zc 5:1-4). No Targum aramaico, “Palavra de Deus” é substituída com referências ao próprio Deus em Ex 3:12;19:17. Na tradução do AT para o aramaico, Isaias 45:18 e Isaias 48:13 é traduzido como Deus agindo através da sua palavra. Esse termo também foi usado pelos judeus para se referirem ao seu messias. Em seus escritos, ele era comumente chamado de “Mimra”. No próprio Targum,  Deuteronômio 26:17-18 é dito que “Tu apontaste a Palavra de Deus como rei sobre vocês esse dia,e que ele será teu Deus”.

Assim, ao designar Jesus Cristo pelo nome "Verbo", E tendo o pano de fundo do mundo cercado por João e seu conhecimento bíblico, ele pegou o Verbo dos filósofos e encheu ele de conteúdo bíblico, transformando em uma identidade pessoal, assim como Paulo fez em Atenas (At 17), pegando um objeto pagão e enchendo ele de riquezas bíblicas. O termo então parece indicar uma existência eterna, como também um papel na criação (João 1:3; Cl 1:16,17...) pressuposto pela filosofia grega. Contudo diferentemente da filosofia grega, João o caracteriza como pessoal e se relacionando com o mundo(João 1:1-14). As considerações do teólogo e professor James White são pertinentes ao estudo:

"Nós vimos que o Verbo é eterno. Muito tem sido dito sobre como João tomou o termo "Logos", o Verbo. Alguns dizem que pegou emprestado da filosofia grega, uma espécie de um artifício filosófico. Ninguém poderia dizer que João simplesmente deixou o Logos da mesma forma que ele o encontrou entre filósofos. Não, ele encheu o Logos de personalidade e identificou o Verbo não como alguma confusa, celeste essência que é o princípio guia de todas as coisas (como os gregos pensavam) , mas o eterno Filho de Deus, Aquele que entrou no tempo e na experiência humana como Jesus de Nazaré. O "Verbo" revela que Jesus é a mente de Deus, o pensamento de Deus, sua completa e viva revelação. Jesus não só veio a nós para nos dizer como é Deus - Ele nos mostrou. Ele é a revelação de Deus."


A esse comentário concorda Paulo nos trechos de Cl 1:15, 2 Co 4:4 e Hb 1:1-3. 1 Co 1:24 diz que Cristo é o poder e sabedoria de Deus.


Liddon em seu livro "The Divinity of Our Lord and Savior Jesus Christ", interpreta de uma forma muito bela o texto:

"Na verdade, o Logos divino é Deus refletido em seu próprio eterno Pensamento; no Logos, Deus é seu próprio objeto. Esse pensamento infinito, reflexo e contraparte de Deus,subsistindo em Deus como um ser ou essência e tendo uma tendência a auto-comunicação,___tal qual o Logos. O Logos é o Pensamento de Deus,não interminente e precário como o pensamento humano, mas subsistindo como uma forma pessoal."


Agora, no princípio se refere claramente o começo do mundo. Em João 1:15 fala que Cristo existia antes de João Batista. Alguns tem sugerido aqui que antes significa liderança, e não pre-existência temporal. Contudo, se fosse apenas líderança, seria necessario o verbo στιν (todas as vezes em que antes imprime liderança,líder, é acompanhado pelo verbo στιν: Mt 3:11; 20:27; 22:38; Mc 6:21; 10:44; Lc 11:26). “Ele era antes de mim”  no grego original é πρῶτός μου ἦν” é muito parecido com  João 15:18 “πρῶτον ὑμῶν”, onde o texto em João 15:18 se refere a antes no tempo. Outrossim,  liderança já foi ensinado no mesmo versículo anteriormente, tornando o texto redundante, e elucidativas são as versões siríacas e árabes que traduzem o texto como "pois ele é mais antigo que eu". O Socinianismo cai por terra a partir dessa abordagem. Tendo tratado da preexistência de Cristro, agora, percebe-se que no principio se refere a criação do mundo através desses versículos:

porque nele(Jesus) foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por ele e para ele.  (Colossenses 1:16)

Os socinianos veem aqui uma criação moral(reconciliação), e não uma criação cósmica propriamente dito. Contudo a interpretação unitária é impossível.A seguir, redigirei cinco objeções levantada por Alfred Barnes:

1) A palavra "criado" não é usada dessa forma corretamente, e nem pode ser.Que pode significar arranjar, ordenar, é verdade, mas não é usado no sentido de reconciliação ou trazer coisas discordantes em harmonia. Para a grande massa de homens, que não tem teoria para apoiar, seria entendido em seu natural e óbvio sentido, como denotando a criação material.
2) A afirmação é, que o poder "criativo" de Cristo foi exercido em "todas as coisas". Não é referência à anjos somente,ou à homens, ou à judeus, ou à gentios. É em relação a "tudo na terra e no céu", ou seja, ao universo inteiro. Porque a declaração deveria ser tão universal se deveria ser suposta somente para a criação inteligente?
3) Com essa propriedade, ou em qual sentido tolerável, a expressão "coisas no céu e na terra" pode ser aplicada a judeus e a gentios? Em que sentido isso pode ser dito que eles são "visível e invísivel"? E, se a linguagem então pudesse ser usada, como pode o fato de que Cristo é o meio para reconciliar eles ser a razão para ele dever ser chamado de "a imagem do Deus invisível"?
4) Se for entendido como criação moral, de renovação das coisas, de mudança de natureza, como isso pode ser aplicado aos anjos? Cristo criou eles mais de uma vez? Ele mudou a natureza e o caráter deles? Anjos bons não precisam de renovação espiritual; e Cristo não veio para converter anjos caídos e trazê-los em harmonia com o resto do universo.
5) A frase aqui empregada, de "criando todas as coisas nos céus e na terra"  é nunca usada em nenhum lugar para denotar uma criação moral ou espiritual. Apropriadamente expressa a criação do universo. É uma linguagem notademente similar a usada por Moisés, Gênesis 1:1; e seria assim entendida por toda humanidade. Então, se for isso, então Cristo é divino, e nós podemos ver nessa grande obra uma boa razão o porquê ele ser chamado de "a imagem do Deus vivo" e o porquê dele estar na liderança do universo.

Em Colossenses 1:15 diz que Cristo é o primogênito da criação, ou seja, o que tem primazia sobre a criação material(Cl 1:17-18), e seria tautológico Paulo não usar este significado de criação no versículo seguinte. E este mesmo sentido é imprimido em João 1:1-3, o que não contradizeria Hebreus 1:2 e Hebreus 1:10.

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.     Ele estava no princípio com Deus.     Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e sem ele nada do que foi feito se fez.

É dito que o Verbo era no princípio. Interessante é que a palavra era esta no sentido absoluto. A escolha da palavra foi extremamente cuidadosa. Se o que ele quisesse dizer era um relacionamento temporal do Verbo, ele teria usado expressões que cabem nesse contexto,como em João 1:14 (a encarnação do Verbo,um ato temporal) ele usa ἐγένετο. Mas aqui ele usa ἦν, evidenciado um relacionamento atemporal, a ausência de tempo do sujeito,que nesse caso é o Verbo. Já no princípio, o Filho já era ou existia, e isso mostraria  uma eternidade do Verbo,um atributo divino.  As ricas considerações de James White são importantes:

O elemento chave para se entender isto, a primeira frase deste magnífico versículo, é a forma da palavra "era", que na linguagem grega que João estava escrevendo, é a palavra en (o "e" pronunciado como um longo a, como em "I ate the food"). É uma palavra sem tempo - ou seja, ela simplesmente aponta para a existência antes do tempo presente, sem fazer referência a um ponto de origem. Qualquer um pode retroceder o "princípio" tão quanto possa imaginar, e, de acordo com João, o Verbo ainda é. Daí, o Verbo é eterno, sem tempo. O Verbo não é uma criação que veio à existência no princípio, por que Ele preexistiu ao princípio... João não está sozinho nisto. Jesus contrastou Abraão "se tornando" com sua própria existência eterna em Jo 8:58 da mesma forma. O Salmista contrastou a criação do mundo com a eternidade de Deus no Salmo 90:2 (LXX) usando os mesmos verbos encontrados em Jo 1:1 e 14. Dificilmente parece coincidência, não é?


Agora, João parte para definir a segunda cláusula, o qual é "O Verbo estava com Deus". Notável é o uso da palavras  πρὸς (com), que indica "face a face", íntima comunhão. Alguns tem sugerido que se João quisesse ensinar a Trindade, ele teria que ter usado εἷς (trasmitindo a ideia de fusão) invés de πρός .
Contudo, nem sempre  εἷς  indica “fusão” ou “para dentro”. Por exemplo, vejamos alguns textos:

-Mateus 22:35
καὶ ἐπηρώτησεν εἷς ἐξ αὐτῶν
“... um deles, doutor da lei...”
-Mateus 23:9
τῆς γῆς εἷς γάρ ἐστιν
“...um só é o vosso Pai,...” 
-Mateus 26:14
Τότε πορευθεὶς εἷς τῶν δώδεκα
“Então um dos doze, chamado Judas Iscariotes,...”
-Marcos 9:17
ἀπεκρίθη αὐτῷ εἷς ἐκ τοῦ
“Respondeu-lhe um dentre a multidão...”

Aqui estão somente alguns exemplos escolhidos de vários outros lugares onde não é essa ideia transmitida pela preposição εἷς. Existe, contudo, um exemplo mais interessante no próprio primeiro capítulo de João, onde εἷς não pode ser entendido como "fusão".
-João 1:40
Σίμωνος Πέτρου εἷς ἐκ τῶν
“André, irmão de Simão Pedro, era um dos dois que ouviram João falar...”(João 1:40)

Novamente, o estava tem a mesma aplicação que o era na primeira parte do versiculo, indicando a ausência de tempo do sujeito, e aponta para um relacionamento eterno do Verbo com Deus. João Calvino, refutando o anti-trinitário Miguel de Servetus, escreve:

Servetus objeta que a Palavra não pode ser admitida ter existido antes de quando Moisés introduziu Deus falando.Como se ele não subsistisse em Deus, por que ele não foi publicamente feito conhecido, ou seja, como se ele não existiu com ele, até ele começou a aparecer sem. Mas toda pretensa para fantasias absurdas ultrajantes dessa descrição são podadas pelo Evangelista, quando ele afirma sem reserva, que a Palavra estava com Deus; pois ele expressamente nos retira de qualquer momento no tempo. 



Uma vez que já está evidente que João 1:15-18 explica a primeira parte do prólogo, João 1:18 ensina uma peça importante para entender a passagem:

Ninguém jamais viu a Deus. O Deus unigênito, que está no seio do Pai, esse o deu a conhecer.

Seio indica um lugar de amor no mais alto sentido da palavra ( Lucas 16:22; João 13:23), nesse caso,um amor eterno e essencial (uma vez que eternidade e amor são um atributo divino). O texto continua e chama o Verbo de Deus Unigenito,o que é exatamente a terceira cláusula de João 1:1.

Sobre o Verbo era Deus:
Primeiro veremos algumas regras de entendimento grego do texto para rebater as traduções falaciosas que têm levantado nos últimos séculos que têm deturpado o sentido original do versículo:

"Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος, καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόν, καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος."

"No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus."

Sobre a última asserção,"καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος", os unitários entendem que a passagem deveria ser traduzida por "o Verbo era [um] deus". Eles argumentam que pelo fato de "λόγος" não vir precedido pelo artigo "ὁ " indicaria que "θεὸς" deveria ser traduzido por "qualidade divina",ou "divino",ou ainda "deus".

Contudo, se todas as vezes na Escritura onde não aparece o artigo que precede θεὸς  e traduzirmos ela por "um deus", geraria um caos. Existem dois exemplos próximos de João 1:1.

"Καὶ ὁ λόγος σὰρξ ἐγένετο καὶ ἐσκήνωσεν ἐν ἡμῖν, καὶ ἐθεασάμεθα τὴν δόξαν αὐτοῦ, δόξαν ὡς μονογενοῦς παρὰ πατρός, πλήρης χάριτος καὶ ἀληθείας. "

"E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade; e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai" (João 1:14)

Note que se esta regra de traduzir dos unitários fosse aplicada aqui, teria que ser traduzido "o Verbo se fez uma carne" negando o ensino do próprio João em querer afirmar a verdadeira humanidade de Cristo. Há mais um exemplo:

"Θεὸν οὐδεὶς ἑώρακεν πώποτε· μονογενὴς θεὸς ὁ ὢν είς τὸν κόλπον τοῦ πατρὸς ἐκεῖνος ἐξηγήσατο. "

"Ninguém jamais viu a Deus. O Deus unigênito, que está no seio do Pai, esse o deu a conhecer. " (João 1:18)

Se os unitários aplicassem essa regra aqui, teria que se traduzir "Ninguém jamais viu a um deus". Interessante notar é que essa passagem se aplica ao Pai,o que estaria comprometendo a divindade dEle. Além do mais,a Biblia de Estudo de Genebra aponta mais de 250 vezes que Deus Pai no NT não é precedido pelo artigo (Rm 16:27; 1 Co 8:6).
Entretanto, João foi muito sábio ao não escrever o artigo, pois afetaria a asserção anterior que é "o Verbo estava com Deus". Se João tivesse escrito "καὶ ὁ θεὸς ἦν ὁ λόγος" ele teria confundido as pessoas na divindade e diria que a palavra "Verbo" e a palavra "Deus" seriam intercambíveis, ou seja, afirmando o sabelianismo/unicismo. Em outras palavras, João estaria dizendo que o Verbo era o Pai.

O Dr.A.Robertson, um dos maiores eruditos da lingua grega de todos os tempos, relata:


A palavra com o artigo é então o sujeito, qualquer que seja a ordem. Então em Jo 1:1, theos an ho logos, o sujeito é perfeitamente claro. Cf. ho logos sarx egeneto (Jo 1:14). É verdade que ho theos an ho logos (termos intercambiáveis) seria Sabelianismo. Veja também ho theos agape estin (1 Jo.4:16). "Deus" e "Amor" não são termos mais intercambiáveis que "Deus" e "Logos" ou "Logos" e "carne". Cf. também hoi theristai angeloi eisin (Mt 13:39), ho logos ho sos alatheia estin (Jo 17:17), ho nomos hamartia ; (Ro 7:7). A falta do artigo aqui é proposital e essencial para a verdadeira idéia.

Robertson, continua:

Uma palavra deveria ser dita sobre o uso ou não uso do artigo em João 1:1, onde um caminho estreito é seguramente seguido pelo autor. "O Verbo era Deus". Se ambos Deus e Verbo fossem articular, eles seriam coexistentes e distribuídos igualmente, assim, intercambiáveis. Mas a personalidade separada do Logos é afirmada pela construção usada e o Sabelianismo é negado. Se Deus fosse articular e o Logos não-articular, a afirmação seria de que Deus era o Logos, mas não que o Logos era Deus.

H. E. Dana e Julius Mantey usam João 1:1 para ilustrar o uso de artigo para determinar o sujeito em uma sentença copulativa:

O artigo algumas vezes distingüe o sujeito do predicado em uma sentença copulativa. Em Xenophon's Anabasis , 1:4:6, emporion d' en to korion , e o lugar era um mercado, nós temos um caso paralelo ao que temos em João 1:1 , kai theos en ho logos, e a palavra era a deidade. O artigo aponta para o sujeito nestes exemplos. Nem o lugar era o único mercado, nem a palavra era Deus por completo, como significaria se theos também tivesse o artigo. Da forma que está, as outras pessoas da Trindade estão implícitas em theos



Perceba que o caso citado de João 1:14,o uso sem artigo antes de "σὰρξ"(carne),revela a natureza essencial do Verbo encarnado. Há também João 4:24.

"πνεῦμα ὁ θεὸς, καὶ τοὺς προσκυνοῦντας αὐτὸν ἐν πνεύματι καὶ αληθείᾳ δεῖ προσκυνεῖν."

"Deus é espírito, e é necessário que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade."

Veja que o uso sem artigo antes de "πνεῦμα" revela a natureza essencial de Deus,que é ser espírito e mostraria que o termo Deus espírito são intercambiveis. Mesmo caso em 1João 4:8.

"ὁ μὴ ἀγαπῶν οὐκ ἔγνω τὸν θεόν, ὅτι ὁ θεὸς ἀγάπη ἐστίν."

"Aquele que não ama não conhece a Deus; porque Deus é amor." (1João 4:8)

Não há uso aqui também antes de "ἀγάπη"(amor).O texto revela que amor faz parte da natureza de Deus e que os termos (Deus e amor) novamente . Amor está na sua própria essência, mas ela toda não é a sua essência.
Assim, a falta do artigo não diminui a asserção da divindade de Cristo, somente estabelece uma distinção entre as pessoas, e mesmo assim, o texto revela a divindade essencial do Verbo.
João 1:1 nega tanto o sabelianismo como o arianismo e se ajuntarmos ainda este versículo com Gênesis 1:2 (Espírito de Deus), temos o trinitarismo ortodoxo.

Todavia, existe um ponto que deve ser tocado, antes de concluirmos o estudo. Leia o que James White disse:

Uma outra diferente abordagem é tomada por outro grupo de eruditos. Estes eruditos se referem ao que é chamado de regra de Colwell, batizada em homenagem a E. C. Colwell, que primeiro enunciou esta regra no Journal of Biblical Literature[ em 1933. A regra diz, "A falta de artigo não faz o predicado indefinido ou qualitativo quando ele precede o verbo; é indefinido nesta posição somente quando o contexto necessita disto. O contexto não faz tal necessidade no evangelho de João".Esta é a visão de Morris, Metzger, Griffith e outros. Apesar da regra de Colwell não ser sem exceções, é um guia valoroso. Pelo menos, é um bom guia para tradução neste caso. Estes eruditos que vêem este versículo sob esta luz não necessariamente entram em contradição com os outros já citados. Primeiro deveria ser notado que Robertson e Nicoll morreram antes do trabalho de Colwell, e seus comentários refletem isto. Então, ambas abordagens direcionam-se às mesmas conclusões - a passagem ensina a deidade de Jesus Cristo. Alguns eruditos vêem o theosanarto como enfatizando a natureza do Verbo, e todos concordam que não é apenas um tipo qualitativo de descrição, dizendo apenas que Cristo era "um tipo de Deus". Um trabalho de um autor mais recente (março de 1973) se baseia neste assunto também. Philip B. Harner fez um estudo extensivo de nomes predicados anartos que também foi publicado no Journal of Biblical Literature. Sua pesquisa levou a um nova preparação para visão da regra de Colwell, é verdade. Também deveria ser notado que este artigo tem sido usado extensivamente por aqueles que negam a Deidade de Cristo e traduzem erroneamente a passagem. Suficiente neste ponto é uma referência do próprio artigo de Harner:

Em todos estes casos o leitor inglês poderia não entender exatamente o que João está tentando dizer. Talvez a cláusula deveria ser traduzida, "o Verbo tem a mesma natureza de Deus". Esta seria a forma de apresentar o pensamento de João, que é, como eu entendo, que ho logos, não menos que ho theos, tem a mesma natureza que theos."



Dr. Kenneth Wuest, por muito tempo professor de grego na Moody Bible Institute em Chicago, comentou sobre este verso:

"O Verbo era Deus. Aqui, a palavra "Deus" está sem o artigo no original. Quando é usado desta forma, ele se refere à essência divina. Ênfase está sob a qualidade ou caráter. Assim, João nos ensina que o nosso Senhor é em essência Deus. Ele possui a mesma essência que Deus o Pai, é um com Ele em natureza e atributos. Jesus de Nazaré, o carpinteiro, o mestre, é verdadeiramente Deus.
Wuest em seu Expanded Translation, traduz 1:1:

"No princípio o Verbo estava existindo. E o Verbo estava em comunhão com Deus o Pai. E o Verbo era em Sua essência absolutamente Deus."

Ou seja, pode ser então interpretado apartir de João 1:1-3 que o Filho é Deus Eterno e está em um relacionamento essencial com o Pai.




(1)http://monergismo.com/wp-content/uploads/questoes_ultimas_livro_cheung.pdf  pg 30

(3) http://www.jewishencyclopedia.com/articles/12116-philo-judaeus#anchor15


(4)Gordon H.Clark, Thales to Dewey; The Trinity Foundation,2000 (original 1957);p.165



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